rubrica Retalhos de Revista

Aside

Image

(…) «Íamos já a caminho de casa, do delicioso spaghetti frio que ela temperava com ervas e azeite virgem, alcaparras ou anchovas, do peixe frio marinado em calda, como se come no mar, comido no alpendre, debaixo da renda de heras. E da noite, que já avermelhava no horizonte marinho do almoço tardio.
Da noite, em que vestidas de lavado, cabelo desamarrado, o dela uma sedinha solta, o meu afrodionisíaco, como ela o dizia, roupas longas, soltas e largas, falávamos de tudo e de nada, até às mais altas horas, que lhe convinham, a ela e a mim. Bebíamos vinho branco gelado, não havia retsina, pena para ela, bom para mim, que não gosto de quase nada do que vem da Grécia, excepto a comida e as azeitonas talhadas com alho e tomilho, o que a chocava, mas não tanto quanto seria de esperar.
– Ruínas, por mais belas, amarguram-me, Sophia.
Falávamos na noite, no alpendre quase morno, sem tom nem som. Nenhuma das duas era desesperadamente musical. Não havia música nem nos fazia preciso. Falávamos mais de todos do que de tudo; do tudo eram a arte e a poesia – nem política, nem mundos a mudar. Não era a prudência de pertencermos a facções políticas diferentes. Era a força de indiferenciação da noite, quando as mulheres falam. Falávamos de amores, de filhos, de amigos e desamigados. Desse mundo ginecêutico e caótico, onde tínhamos ambas de manter aparências. Brilhávamos na meia obscuridade como as estrelas que se viam no céu limpo, mortais e imortais, passe a solenidade.
Porque não éramos solenes.»

[in Sophia: Vozes, de Maria Velho da Costa, prefácio ao livro Evocação de Sophia, de Alberto Vaz da Silva, Assírio & Alvim, 2009]